Há pouco tempo assisti a um documentário
sobre a existência do Pé Grande (Sasquatch), e este documentário começa com
pessoas afirmando “terem visto” a criatura. Está entre aspas, pois alguns dizem
realmente terem visto, enquanto outros viram silhuetas ou tiraram fotos que
indicam a existência de alguma coisa que pode ser o Pé Grande; a maioria são
pessoas comuns, e outros são pesquisadores e estudiosos. Contudo, todos os que
defendem a existência da criatura acreditam piamente que ela existe. Entendeu a
ironia? Outras pessoas no documentário são, também, pesquisadores, cientistas, professores
de anatomia e movimento do corpo, maquiadores, especialistas em efeitos
especiais do cinema (alguns ganhadores de Oscar de melhor maquiagem etc.).
Enquanto os defensores da existência do Pé Grande defendem que as pegadas são
provas reais e os filmes e fotos (precários) são originais, do outro lado, os que
duvidam demonstram que não existe esqueletos, fósseis, matéria orgânica (como
fezes), fragmentos de ossos, “ninhos” etc. descobertos em todos esses anos, e
questionam, também, o tipo de alimentação, condições do ambiente e demais
condições de vida que possibilitariam ou não a existência de uma criatura como
o Pé Grande (e fazem comparações científicas com outros grandes mamíferos, como
grandes macacos, que vivem em regiões diferentes (da América do Norte), os
quais ainda possuem referências totalmente animais e não antropoides modernas,
como os pés com o dedão funcional, a postura, o andar etc.).
No entanto, mesmo demonstrando
toda a história, antropologia, anatomia, todas as ciências envolvidas e tudo o
que se pôde fazer para comparar fotos, vídeos, pegadas, “provas” etc., quem
acredita, acredita e ponto final (e nega qualquer outro ponto de vista.
Na política existe o mesmo fenômeno
social: quem acredita, acredita e ponto final. Existem os que acreditam, e
quando percebem falhas, compreendem e estão abertos a mudarem suas opiniões; e
existem os que acreditam e ponto, e tudo o que for contra é inimigo. Este fenômeno
aconteceu no passado das histórias políticas e acontece, de maneira fervorosa
agora, na política atual brasileira. Existem aqueles que fervorosamente acreditam
que a política atual (2019) está ajudando a sociedade, está melhorando a vida
do povo, está gerando empregos, valorizando o salário, garantindo os direitos individuais
e coletivos, e estes acreditam nisso e ponto. Venda nos olhos, crença quase
erótica e absoluta na figura do líder, discurso alienador e reprodução
descarada de falas que não fazem parte da relação real dos fiéis e que
beneficiam seus dominadores. Um ou outro, quando percebe o erro, compreende e
tenta absorver outros pontos de vista. Mas, quem acredita religiosamente,
acredita e ponto. Mesmo que todas as informações fajutas e enganadoras sejam
desmascaradas. Mesmo que todas as provas mostrem o contrário. Quem quer
acreditar, acreditará até o fim da vida e não abrirá mão de sua opinião, mesmo
que esta seja e aconteça contra a própria pessoa.
É o que a Terra Plana nos ensina.
Quem acredita quer que se prove o contrário, até mesmo em tom de deboche ou
intimidação. Mesmo que toda a história humana e tecnológica tenham sido construídas
e possibilitadas pelas descobertas passadas e presentes baseadas em leis
universais, e até mesmo o fato de, os terraplanistas, utilizarem a Internet
para divulgarem suas verdades sobre Terra Plana (sendo a internet possibilitada
pelas viagens e tecnologias espaciais), mesmo assim, com o globo terrestre de
fundo, o Mundo, para eles, é plano com bordas misteriosamente guardadas por
exércitos que não querem que saibamos a verdade, ou que exista um portal
dimensional que, ao sair da borda de um lado, automaticamente apareçamos do outro
na Terra Plana... Mesmo assim, com a água dos oceanos escorrendo pelas margens direto
para o espaço, A! Terra! É! Plana!, e ponto final. Quem quiser provar o
contrário, que tente. Pois, quem quer acreditar, acreditará em qualquer teoria
(mesmo que não caiba mais nenhum tipo de debate sobre refutações). É o mesmo,
por exemplo, de quem não acredita na evolução, mas sim, no criacionismo divino,
e corre para o médico pedindo antibióticos mais fortes, pois o que consome já
não faz efeito nas bactérias; assim como compram venenos cada vez mais fortes
para matar os pernilongos que já não se importam com uma borrifada ou outra.
Os problemas, aqui, giram em
torno da ignorância, contudo, também da vontade de se provar o contrário, ou
que todos estão errados – “menos eu” –, mas também giram em torno da teimosia:
uma teimosia impeditiva e vaidosa repleta de ego.
“Quero provar que o Pé Grande existe,
não pela ciência, mas para provar que eu estou certo”. “Quero continuar defendendo
o indefensável e tudo aquilo o que me maltrata, mesmo que eu morra tentando”. “Quero
me jogar da borda do mundo e provar que a Terra é plana e que não existe Lei da
Gravidade, e farei isso mesmo enquanto leio ‘A volta ao mundo em 80 dias’”. Júlio
Verne que nos perdoe, se puder.
Enquanto isso, acredite: não
existe aquecimento global (pois está frio na Sibéria); não existe fome no mundo
(pois no Brasil qualquer cidade de interior tem manga); as vacinas vão nos
matar; a reforma da previdência bolsonarista vai salvar o povo brasileiro; nas
favelas só existem bandidos; as mulheres são estupradas, agredidas, violentadas
e subjugadas porque querem e gostam; o Pé Grande está nesse exato momento
bolando um plano conspiratório com o Papai Noel comunista-anarco-capitalista
para dominarem o mundo e tudo o que existe e prevalece com toda a certeza
absoluta em 4,6 bilhões de anos do Planeta Terra é apenas a sua opinião.
20 de outubro de 2019
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