27/12/2017

Eu sou o poema que não rima

Tão difícil quanto olhar ao espelho, aquele reflexo de alguém que normalmente não se reconhece, tão frágil e ao mesmo tempo repleto de cicatrizes. A maioria não aparece. Mas estão lá, todas elas, aos montes, profundas, abertas. Difícil refletir seu próprio semblante, difícil refletir o brilho dos seus olhos já opacos pela quantidade aterradora de pensamentos confusos que esmagam seus sorrisos. Ninguém sabe ao certo quem está olhando para quem. Mas, o reflexo não mente. Por isso pouco se reflete. Preferimos as mentiras. Passar os dias contando quantas vezes se nasce e se morre nessa vida. Quantos milagres fazemos dia após dia e nos negamos a dizer que não foi nenhum deus que nos ajudou. Quantas recordações e momentos extraordinários de uma vida que se consome a cada piscar de olhos. Quantas maravilhas, felicidades e lamentações. Temos um prazo de validade, e nos assustamos quando a data se aproxima. Temos tristezas e deixamos as lágrimas jorrar para apagar o fogo sufocante que queima o coração.

Uma paixão inesquecível, um grande amor, um desejo hercúleo sobre os ombros e a vontade titânica de sair correndo a procura de alento em braços quentes e reconfortantes, em lábios suculentos, em cheiro de pele matutina sob lençóis translúcidos. E a fuga. A necessidade. O pecado e a falta de perdão por escolhas amedrontadas que futuramente parecerão piadas de mal gosto. A escrita que registra fatidicamente a sanidade e ao mesmo tempo contradiz a realidade. Essencialmente inocência. A maldade pelo querer o bem, e nada se consagra, pois tudo se atreve a cair como pedras em um abismo. Nada se perpetua. Nada se eterniza. Uma pena. É triste. E eu sou este que escreve e que não gosta do que lê. Aquele que, ao mesmo tempo em que quer fazer valer a pena acaba deixando a desejar, pois o tempo passa e nada mais importa: somente a permanência do sorriso e da presença. A liberdade poética e literária de um clichê que dilui a angústia em pedras de gelo.

E a vida?, você pode perguntar. E a vida? A vida é o que acontece quando não estamos prestando atenção. Essa frase não é minha, eu acho. Esse é o problema. Faltam as fontes e as referências que com o tempo se perdem em quantidades industriais de páginas e mais páginas, de dar câimbra nos dedos. Toda a alma. É toda a alma. Não saber mas quem somos faz parte do jogo da vida, pois sempre nos perdemos meio a transformações que acontecem sem que percebamos. Quando vemos, pronto: tudo diferente, e tudo o que mais se quis se afasta ficado cada dia mais para trás, numa distância colossal de um horizonte monocromático, que perde a cor gradativamente até o zero absoluto, sem cor, sem contraste, sem o reflexo da lua. Eu perdi o jeito. Perdi o rumo, o caminho, os tijolos dourados e as migalhas de pão comidas pelos pássaros. Dançando na areia como aquela pequena dançarina. E se percebe que é areia movediça, e quanto mais se dança, mais se afunda alegremente. Os dedos se movem com velocidade numa conexão fantástica entre o cérebro e as mãos. Falta de atenção, nenhuma. Total. O tempo todo. A súplica: súbita! A falta de sincronia, de simpatia, de ritmo, de simetria emocional. Mas, tentamos. E tentamos furiosamente dia após dia buscando as melhores maneiras de, em algum momento, dizer: Consegui! Fui feliz. Pois, ser feliz é ilusão, quase um pesadelo. Só você pode me ouvir, por mais fracas e calmas que sejam as palavras em busca de entendimento.


E tudo o que se pede, sabe-se lá para quem, é para que não sejamos essa criança assustada.
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Fan page nova: Marco Buzetto

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