Tão difícil quanto olhar ao
espelho, aquele reflexo de alguém que normalmente não se reconhece, tão frágil
e ao mesmo tempo repleto de cicatrizes. A maioria não aparece. Mas estão lá,
todas elas, aos montes, profundas, abertas. Difícil refletir seu próprio semblante,
difícil refletir o brilho dos seus olhos já opacos pela quantidade aterradora
de pensamentos confusos que esmagam seus sorrisos. Ninguém sabe ao certo quem
está olhando para quem. Mas, o reflexo não mente. Por isso pouco se reflete. Preferimos
as mentiras. Passar os dias contando quantas vezes se nasce e se morre nessa
vida. Quantos milagres fazemos dia após dia e nos negamos a dizer que não foi
nenhum deus que nos ajudou. Quantas recordações e momentos extraordinários de
uma vida que se consome a cada piscar de olhos. Quantas maravilhas, felicidades
e lamentações. Temos um prazo de validade, e nos assustamos quando a data se
aproxima. Temos tristezas e deixamos as lágrimas jorrar para apagar o fogo
sufocante que queima o coração.
Uma paixão inesquecível, um
grande amor, um desejo hercúleo sobre os ombros e a vontade titânica de sair
correndo a procura de alento em braços quentes e reconfortantes, em lábios
suculentos, em cheiro de pele matutina sob lençóis translúcidos. E a fuga. A necessidade.
O pecado e a falta de perdão por escolhas amedrontadas que futuramente
parecerão piadas de mal gosto. A escrita que registra fatidicamente a sanidade
e ao mesmo tempo contradiz a realidade. Essencialmente inocência. A maldade
pelo querer o bem, e nada se consagra, pois tudo se atreve a cair como pedras
em um abismo. Nada se perpetua. Nada se eterniza. Uma pena. É triste. E eu sou
este que escreve e que não gosta do que lê. Aquele que, ao mesmo tempo em que
quer fazer valer a pena acaba deixando a desejar, pois o tempo passa e nada
mais importa: somente a permanência do sorriso e da presença. A liberdade
poética e literária de um clichê que dilui a angústia em pedras de gelo.
E a vida?, você pode perguntar. E
a vida? A vida é o que acontece quando não estamos prestando atenção. Essa
frase não é minha, eu acho. Esse é o problema. Faltam as fontes e as referências
que com o tempo se perdem em quantidades industriais de páginas e mais páginas,
de dar câimbra nos dedos. Toda a alma. É toda a alma. Não saber mas quem somos
faz parte do jogo da vida, pois sempre nos perdemos meio a transformações que
acontecem sem que percebamos. Quando vemos, pronto: tudo diferente, e tudo o
que mais se quis se afasta ficado cada dia mais para trás, numa distância
colossal de um horizonte monocromático, que perde a cor gradativamente até o
zero absoluto, sem cor, sem contraste, sem o reflexo da lua. Eu perdi o jeito. Perdi
o rumo, o caminho, os tijolos dourados e as migalhas de pão comidas pelos pássaros.
Dançando na areia como aquela pequena dançarina. E se percebe que é areia
movediça, e quanto mais se dança, mais se afunda alegremente. Os dedos se movem
com velocidade numa conexão fantástica entre o cérebro e as mãos. Falta de
atenção, nenhuma. Total. O tempo todo. A súplica: súbita! A falta de sincronia,
de simpatia, de ritmo, de simetria emocional. Mas, tentamos. E tentamos
furiosamente dia após dia buscando as melhores maneiras de, em algum momento,
dizer: Consegui! Fui feliz. Pois, ser feliz é ilusão, quase um pesadelo. Só
você pode me ouvir, por mais fracas e calmas que sejam as palavras em busca de
entendimento.
E tudo o que se pede, sabe-se lá
para quem, é para que não sejamos essa criança assustada.
____
Siga: Marco Buzetto II
Fan page nova: Marco Buzetto
Nenhum comentário:
Postar um comentário