Criar
novas tecnologias é uma característica básica do ser humano, que encontra na
imaginação e criatividade uma forma de desenvolver novas ferramentas para lidar
com suas necessidades diárias. Ferramentas que facilitem seu trabalho e sua
própria evolução enquanto espécie – a espécie dominante, mais inteligente,
adaptável, predadora e destrutiva do planeta Terra, diga-se de passagem.
É
bom lembrar que por tecnologia compreende-se um conjunto de conhecimentos que
são aplicados à determinada atividade com a finalidade de facilitar sua realização.
Estes conhecimentos foram adquiridos pelos seres humanos desde a sua primeira
necessidade de utilizar um pedaço de maneira como arma para caçar seus
alimentos até a criação da roda e a nanotecnologia atual. A somatória de
experiências, necessidades e conhecimento, então, permite que criarmos novas
ferramentas que melhorem nossa relação com os meios nos quais estamos
inseridos.
A
linguagem falada, por exemplo, é uma tecnologia que fora “criada” a partir da
necessidade de comunicação – uma comunicação “padronizada” com a qual todos os
membros de uma mesma sociedade pudessem interagir, compreender e serem
compreendidos. O alfabeto, então, seja qual for sua forma, é também uma
tecnologia, sendo a extensão da linguagem falada para sua evolução em forma de
linguagem escrita. Dessa forma, armazenar e transmitir conhecimento além da
transmissão oral.
Já
dentro do século XXI, a palavra tecnologia se mostra cada dia mais presente,
principalmente em relação às tecnologias digitais, característica marcante em
nossa sociedade contemporânea. Para leigos, tecnologia
não passa de telefones celulares cada vez mais finos (não menores, como se
costuma dizer); telefones inteligentes que se tornaram um microcomputador portátil
direto no bolso. Para pessoas mais esclarecidas, este tipo de tecnologia
ultrapassa, e muito, as barreiras do conhecimento e da criação de novas
ferramentas e a forma com a qual percebemos e interagimos com a realidade.
Hoje
a maior parcela de tecnologia digital está diretamente associada aos seres
humanos. Tudo parece um grande mercado de possibilidades infinitas a partir de
aplicativos, softwares, hardwares cada vez mais velozes e menores que o ser
humano leva consigo. No amanhã (um amanhã muito próximo), a tecnologia digital
será das coisas – e já acontece em pequenas escalas. Esta tecnologia digital das coisas está associada diretamente com as
formas de tecnologia que estarão presentes em nosso cotidiano sem que nós
mesmos precisemos nos dar conta: carros sem motoristas, que já são realidade
graças às tecnologias desenvolvidas pela empresa Google – se as pessoas causam
acidentes de trânsito, então, vamos remover as pessoas; eletrodomésticos que
utilizam aplicativos que nos possibilitam, por exemplo, enviar uma mensagem
diretamente para a geladeira para que ela descongele o jantar antes mesmo de
chegarmos em casa; banheiras, aparelhos de som, janelas eletrônicas, forno,
televisão, controle da piscina, e por aí vai, tudo o que estiver dentro das
possibilidades da tecnologia existente será conectado – e caso ainda não exista
uma tecnologia capaz de fazer determinada tarefa, dentro de poucos meses ela,
com certeza, será criada.
Agora
se fala muito em realidade aumentada;
trazer a realidade virtual para o mundo real de tal maneira que possamos
interagir de forma tangível, tocando em hologramas e tendo a sensação de que
aquela ilusão realmente existe, com aromas, paladar, sentimentos; tudo o que
for necessário para “aumentar” nossas experiências.
Assim
que pusermos os pés dentro de casa, ela automaticamente reconhecerá nosso
sentimento e estado de espírito, pondo uma música relaxante, criando uma
iluminação que nos tranquilize e, por que não, passando um cafezinho ou um chá
calmante enquanto ela mesma – a casa – prepara a banheira para um banho
que
ntinho.
A
criação de novas tecnologias, principalmente no âmbito digital, que é caso
nesta abordagem, possui um discurso de proporcionar mais liberdade às pessoas.
Quanto mais tecnologia, menos temos que nos preocupar com o trabalho e o dia a
dia corrido, e mais podemos nos dedicar a uma vida com mais laser e bem-estar.
Ledo engano.
A
vida é muito mais corrida nos dias atuais. Pois, precisamos correr para
competir com a evolução tecnológica. Acordamos pela manhã sem a ajuda do
despertador, pois, já existe uma lista de pessoas nos chamando a todo o momento
e que “precisamos” atender. Pois, fiquemos sem responder uma mensagem para ver
o que acontece.
Esta
pressão diária, logo cara, antes do café da manhã, antes mesmo de sairmos da
capa para usar o banheiro faz com que o dia precise de muito mais do que vinte
e quatro horas para realizarmos todas as novas tarefas que acumulamos por conta
da tecnologia.
Para
checar os e-mails gasta-se, no mínimo, cerca de trinta minutos. Responder todas
as mensagens de, no mínimo, cinco aplicativos diferentes, mais trinta minutos.
Se tivermos que checar todas as notificações, solicitações de amizade, curtidas
e comentários e fotos e postagens, bom, pode reservar duas horas (no mínimo) do
seu dia, só para se manter social em um universo virtual que se estendeu para
sua vida real. Sem contar o tempo que se gasta criando conteúdos, se seu caso é
compartilhar informações em sites e blogs. Olhe no relógio e já estará na hora
do almoço, antes mesmo que você tenha tomado o café que está esfriando na
xícara ao lado do seu notebook.
Liberdade?
É de se duvidar. Mesmo que gerenciemos a perfeição nosso dia a dia e nossas
tarefas, ainda existirá acúmulo de funções que “precisarão” ser atendidas. Isso
não é uma critica negativa a tecnologia. De modo algum. Mas, é a maneira como
utilizamos estas ferramentas que cria certa contradição na relação evolução
tecnológica versus liberdade. Pois,
nos parece que, hoje, precisamos ser, estar e fazer muito mais que antes de
comprarmos o primeiro smartphone. Criar uma conta no Facebook é praticamente o
mesmo que entrar correndo em uma rodovia lotada a 150/KM torcendo para
conseguir acompanhar o ritmo e não ser atropelado.
Outro
ponto interessante é a autonomia humana. Com tantos aplicativos, ferramentas,
tecnologias, formas de interatividade e inter-relação entre coisas e pessoas –
principalmente esta última –, até que ponto ainda possuímos nossa autonomia
enquanto seres humanos? Pois, mesmo com uma análise superficial da evolução da
espécie humana, buscamos certa autonomia no fazer por conta própria, mesmo que
em sociedade. Estamos, então, desaprendendo a andar com nossas próprias pernas
e estamos criando “pernas” sobressalentes que já estão substituindo nossas
ferramentas anteriores?
O
que se percebe é que estamos deixando de aprender e realizar com autonomia e
estamos fazendo isso por uma pressão esmagadora da “necessidade” de
inter-relação entre as coisas tecnológicas e os seres humanos, como uma codependência
que parece pender mais para o lado da tecnologia que para o nosso. Como se
tecnologia obrigasse: “me utilize, você precisa de mim”.
Até
que ponto nós ainda possuímos nossa autonomia enquanto espécie humana sem a
necessidade das tecnologias digitais a níveis quase escravocratas? Não se trata
de ser profeta da dominação das máquinas. Trata-se apenas de pensar nossos
hábitos e nossa relação entre liberdade, autonomia e as tecnologias do futuro.
Amanhã, possivelmente, novos satélites de internet gratuita ao redor do planeta
Terra serão lançados e acabarão com as empresas de internet paga. Será um
imenso passo para a liberdade de conexão, pois, praticamente todos terão acesso
digital e poderão se conectar aonde quer que estejam. Com isso, qualquer
empresa que queira pagar por informações poderá saber exatamente onde qualquer
pessoa do planeta está, com quem está, o que está fazendo e quais as melhores
publicidades próximas a ele. Alvos móveis para o marketing. No trajeto de casa
ao tralho choverão publicidades digitais em nossos smartphones sobre os melhores imóveis daquela região, a nova
academia que foi inaugurada e parece ter caído do céu, na hora certa, bem
diante dos nossos olhos. Aquele café espresso que tanto gostamos estará bem ali,
na esquina, e a publicidade digital nos avisará, pois, irá regular ainda mais
nossas vidas. “Aqui está o produto que você tanto queria e não sabia”, dirá o
marketing online. E nós diremos: “Poxa vida, é verdade. Que coincidência”.
Além
de tudo isso, a tecnologia nos deixou mais velhos. Quem nasceu com um smartphone nas mãos, quem já nasceu
conectado e online olha para quem tem cinco, dez anos a mais, e o vê como um
verdadeiro ancião. Um dinossauro que não faz a menor ideia de como se usa um
aplicativo digital; mesmo que esta pessoa seja especialista neste tipo de
tecnologia. Mas, se não anda com o telefone celular na mão e ainda conversa com
as pessoas frente a frente, então, não passa de um dinossauro. A juventude
agora não é medida em tempo, mas sim, baseada no modo como interagimos com a
tecnologia.
Concluindo,
não podemos fugir da inovação e evolução da tecnologia digital, mas, podemos
utilizar o pouco que nos resta de liberdade e autonomia para escolhermos como
utilizar estes recursos da forma como nos cabe. O cotidiano parece cada vez
mais rápido e acelerando a todo o instante, e a sensação de que, de alguma
forma, estamos ficando para trás nos torna ainda mais ansiosos pela tecnologia,
pois, temos a ilusão de sua necessidade absoluta. Olhamos ao redor e não nos
sentimos aceitos se não acompanharmos as evoluções tecnológicas das ferramentas
digitais, mesmo que a porcentagem de pessoas que possuíam conhecimento sobre
estas tecnologias seja pouquíssima, se comparada à multidão que apenas quer por
que quer, ostentando valores, ferramentas, desenvolvimentos e criações com as
quais não estão e pouco estarão habituados durante toda a sua vida, tornando-se
apenas os alvos da publicidade móvel e tudo o que esta tem a oferecer.
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