Acontece com
muito mais frequência do que eu gostaria. Seja com minha noiva, com os amigos
ou sozinho, sempre tem alguém que se aproxima, me cumprimenta, conversa comigo
como se fosse alguém da família, do meu passado – que muitas vezes não me
lembro, sinceramente –, alguém que me conhece como a palma da mão... e que eu
não faço a menor ideia de quem seja. A pessoa chega, me chama pelo nome com o
maior dos sorrisos, conversa, ou me atende super bem se eu estiver em algum
lugar, numa loja, um restaurante, enfim. E eu? Com aquela cara de “oh meu
amigo, e aí, tudo bem?” Mas, eu sei quem é ou como se chama? Negativo! Não faço
a menor ideia. Não por desprezo ou falta de atenção. Só não sei quem é, e minha
timidez impede que eu pergunte o nome.
Um dos casos
mais complexos e curiosos desse tipo: uma garota vem andando atrás de mim
enquanto estou sentado assistindo um jogo de vôlei. É caso real. Dessa vez não
é ficção. Sei que isso acontece com todo mundo. Mas, comigo é com uma
frequência impressionante e constrangedora.
Enfim, essa
garota fala comigo enquanto ainda estou de costas. Solta umas três ou quatro
frases. Como eu não reconheço a voz, não me viro imediatamente para vê-la. De
repente ela se senta ao meu lado com aquele sorriso de orelha a orelha.
“Oi Marco,
tudo bem”? “Tudo ótimo. E com você”? “Tudo certo”. Uffa, essa passou perto,
penso eu.
E a conversa
continua como se fossemos velhos amigos. Ela, cabelo castanho e, na ocasião,
cumprido como o meu, mesma tonalidade, volume e comprimento, quase da minha
altura. Uma versão feminina muito parecida comigo, diga-se de passagem.
Meia hora de
conversa jogada fora. Só faltou um cafezinho. Conversamos sobre tudo, e eu ainda
não saiba quem era a garota. Chutava centenas de nomes em minha cabeça, e nada.
Prestava atenção a cada sílaba, palavra e tom da sua voz, só pra tentar
lembrar alguma coisa. E nada. Tentava conectar todos os assuntos e situar nós
dois em algum momento da vida que fizesse me lembrar dela. Mas, nada. Já estava
desesperado. Sorriso daqui, sorriso dali, gargalhada... Aquela boca vermelha e
rosada de lábios finos. Olhos castanhos com um leve tom esverdeado à luz do
sol, como os meus, diga-se de passagem. Mas, ainda não. Nada ainda.
“Você não
está me reconhecendo, não é?”, perguntou. “Claro que sim”, respondi sorrindo e
tentando desviar o olhar. E continuei, com a maior sinceridade: “não, desculpe.
Não faço a menor ideia de quem seja você ou por que nos conhecemos”.
Ela continuou
sorrindo, e eu, quase a ponto de implorar pra saber quem era ela. Mas,
continuou falando: “Marco, sou eu, Paula”. “Oh, mas é claro”, respondi, como se
soubesse. Sempre menti muito bem. Mas, dessa vez eu queria mesmo saber quem era
ela. “Lembrou de mim?”, perguntou. “Não!”, e demos mais risadas. Nisso já tinha
se passado mais uns dez minutos.
Então, como
quem tivesse certeza absoluta do que estava fazendo, e com certeza tinha,
começou tentar deliberadamente a me lembrar de quem era ela. Disse que fizemos
catequese juntos e que sentávamos juntos às vezes (sim, fiz catequese; deveria
ter perdido meu tempo com outras coisas, mas...), falou que sabia onde eu
morava nessa época, pois morava perto. E eu ali, de boca aberta. Até aí, tudo
bem, não me lembro de muita coisa mesmo. Acabei excluindo tanta informação que
me lembro de poucas pessoas do meu passado. Mas, para espanto ainda maior, ela
descreveu exatamente como era meu corte de cabelo – estilo militar até os onze
ou doze anos, depois deixei crescer –, descreveu como eu me vestia, e o último
prego no caixão: descreveu com riqueza de detalhes o meu quarto.
Agora a coisa
havia ficado séria. Não tinha mais sorrisinho da minha parte. Eu estava
preocupado. Será que ela me conhecia assim mesmo? Mas que diabos... Quem era
essa garota. Eu fiquei ali, chocado, com aquele sorriso amarelo, morrendo de
vergonha de dizer que, mesmo ela tendo rezado todos os detalhes da minha vida
até então, eu ainda não me lembrava dela.
Depois disso?
Ela sumiu. Não a vi durante anos. Reapareceu certa vez, em público. Conversou
comigo, apresentei minha noiva a ela, perguntou se eu ainda estava lecionando e
disse ter visto um de meus livros. Não consigo me lembrar dela antes daquela
primeira conversa.
Depois disso?
Sumiu de novo.
Uma
curiosidade: neste meio tempo, certa vez a reencontrei trabalhando em um lugar
ao lado do meu. Dessa vez eu não deixei passar. Chamei-a pelo nome todos os
dias demonstrando que eu sabia quem era ela. Conversávamos, dávamos risada.
Passou-se mais ou menos um ano. Obviamente, não passávamos de conhecidos que
acabaram de se reconhecer. Um amigo me para e pergunta: “por que você fica a chamando
de Paula”? “Quem”?, eu pergunto. “Ela”, aponta ele com a cabeça, “o nome dela
não é Paula”.
Sim. Passei
um ano, das dezesseis às dezoito horas, de segunda à sexta-feira chamando uma
garota pelo o nome de outra com a certeza absoluta de que fosse a mesma pessoa.
Às vezes me
pego tentando me lembrar de alguma coisa. Mas, não adianta.
Enfim, é fato
que esse tipo de coisa acontece com todo mundo. Tenho certeza.
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