Nota: Texto que aborda a desconstrução do sentimento de
humanidade. Em linguagem repetitiva e por vezes hipnótica, o autor trabalha a
falta de sentimentos que nos ligam a vida, aos temores, aos amores em sociedade. Sem sentimentos humanos, nos tornamos apenas máquinas obsoletas e imperfeitas.
©Marco Buzetto
Não choram
por que não tem tempo. Agora os olhos não choram mais. Não choram por que não
sabem chorar. Não choram, pois não aprenderam. Não podem chorar. Agora os olhos
não choram mais, e não choram, pois não sabem por que chorar. Não existe motivo
para chorar. Não se sabe para que. Agora os olhos não choram mais, e não choram
já faz tempo. Não choram, pois desaprenderam. Agora não choram mais, e não
chorarão por muito tempo. Por falta de ilusão, de pressão, por falta de visão.
Não choram por falta de tesão. Não choram pela dor da solidão, pelo gosto da
razão. Agora os olhos não choram mais. Não falam mais. Não sorriem mais. Agora
os olhos não choram mais. Não olham mais. Não enxergam mais. Agora os olhos não
choram mais, e não o fazem não por que não querem, mas por que esqueceram.
Agora não choram mais. Os olhos, já não choram mais. Não por que não precisam,
não por que não querem. Agora os olhos não choram mais, e não o fazem por que
não podem, não deixam, não querem que chorem. Não choram, pois não sentem dor,
calor, frescor. Agora os olhos não choram mais. Não o fazem mais. Já não olham
mais. Agora os olhos não choram mais.
Quisera eu
que os olhos ainda chorassem, ainda sorrissem, ainda se olhassem. Quisera eu
que ainda falassem, brincassem, se molhassem. Mas não o fazem mais. Quisera eu
que ainda se abrissem, que ainda vissem as virtudes, as vicissitudes. Quisera
eu que ainda transbordassem: como cachoeiras. Mas não o fazem mais. Agora os
olhos já não choram mais. Não em nosso tempo. Agora os olhos já não brilham
mais, não saltam mais, já não vagam mais. Quisera eu que ainda existissem. Mas,
agora os olhos não choram mais. Pois não buscam mais. Não procuram mais. Não
esperançam mais. Não relampejam mais. Não festejam mais. Agora os olhos não
desejam mais, pois agora os olhos não choram mais.
Agora os
olhos não querem mais. Não merecem mais. Não entendem mais. Agora os olhos não
se movem; não se promovem; não se comovem; não se envolvem mais. Já não querem
mais, pois já não se aceitam mais. Não se sujeitam mais, por que não vivificam
mais; não se animam mais. Não se convertem aos montes; não são os mesmos que
antes. Não mentem mais aos montes; não são os mesmos amantes. Agora os olhos
não querem mais, pois os olhos já não choram mais. Não merecem por que não
querem; não querem por que não sentem; não sentem por que não se envolvem; não
se enternecem; não fogem mais. Agora os olhos não fogem mais; pois agora os
olhos não choram mais.
Agora os
olhos não habitam; não duvidam; não praticam. Agora os olhos não se abrem; não
se invadem; não renascem. Agora os olhos não flertam; não se quebram; não se
fecham. Agora os olhos já não fazem nada; não querem nada; não servem pra nada;
não são mais nada. Agora os olhos já não choram, pois demoram. Agora os olhos
não entendem; não prometem; não enlouquecem. Agora os olhos não veem motivos;
não têm motivos; não são benditos; são malditos. Agora os olhos secarão; na
solidão; e detestarão; e sofrerão; e cairão; e agonizarão. Agora os olhos
morrerão. Desumanizados, abalados, desacreditados, isolados. Agora os olhos
morrerão. Sem mas; sem paz. Agora os olhos não choram mais.
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