Acontece com qualquer um... imagino. Tomara. Suponho que sim... Espero. Enfim...
Pra variar, foi em um dia 16. Dia
praticamente normal: conheci novas pessoas – pessoas legais; conversei com
gente bêbada e não entendi porra nenhuma de um assunto que seria de extrema
importância, caso a locutora estivesse sóbria; dei um beijo de canto de lábio
em uma mulher por quem eu tinha o maior tesão (aquele beijo de canto de lábio,
quase beijo na boca); noite normal; passeio noturno de motoca pra recarregar as
energias e recomeçar a semana (que, sinceramente, não é diferente dos finais de
semana pra mim).
Mas então, chega um amigo com um amigo dele a tira colo. Nos apresentamos, coisa e tal, toda aquela formalidade. Papo vai, papo vem, mais gente chapada cortando o assunto... Um vai ao banheiro, volta com outra bebida; retomamos a conversa; aparece mais alguém cortando o barato, pedindo dinheiro. Damos algumas moedas e pergunto: “Você vai comprar cachaça com essa grana”? O senhor sorri, daquele jeito, e finge que não. Então completo, já que é pra cair na risada: “Diga a verdade. Se for pra comprar pinga, fala... que eu dou mais”.
O papo continua, tudo muito bem.
Surge um assunto do passado. Do meu passado, pra falar a verdade. Até aí, tudo
certo. Mas esse assunto faz o amigo do meu amigo soltar essa pérola: “Eu estou
vendo mesmo que te conheço. Então é você. Você é amigo da minha mãe”. Para a
surpresa de todos, ou não, claro que não, eu não fazia a menor ideia de quem
poderia ser a mãe do garoto. Ele me explica. Boca aberta. Choque. Aquele
momento que você ouve a própria respiração...
“Não pode ser. Essa mulher tinha
três filhos. Duas meninas e um menino; caçula”. – disse eu. “Pois é, ela mesma.
Eu sou o mais novo”. – explicou. “Não... Para com isso. Íamos a três: ela, eu e
minha namorada da época, buscar minha cunhada o casal de crianças dela numa
escolinha. Não pode ser você, e não deve ser a mesma pessoa”.
Mas era. A mesma pessoa. A mesma
mulher. Riqueza absoluta de detalhes. Então abri o jogo. Falei um monte de
merda, como sempre. Muita coisa que rolava no, até então, “passado não tão
distante”. Não dava pra acreditar: esse carinha sentado bem na minha frente
numa mesinha de bistrô, filho de uma das mulheres mais legais que conheci?
Aquele filho? Aquele gurizinho que tinha que dar a mão pra atravessar a rua,
agora com seus dezoito anos?
Sim. Verdade. Ou isso, ou a
universalidade paralela estava me pregando outra daquelas peças
impressionantemente plausíveis. Já não consigo tomar nada como concreto na
minha vida. Agora tudo é só isso: plausível. Alguém me conta algo sobre o
passado? Certo, tudo bem: é plausível. Vem outra e me pergunta se me lembro de
quando passamos um fim de semana na chácara da tia dela... “Lembro, claro que
sim”. Plausível. Não vou mais dizer que não, e muito menos que sim.
Mas, o fato é que, em algum
momento, esse guri, filho crescido daquela minha amiga lá de trás, do passado,
me olhou nos olhos e disse essas palavras amargas: “É, você tá ficando velho”.
Foi aí que percebi. Foi nesse
momento, de queixo caído, de testa franzida... foi aí que pensei: “Ficando
velho”. E me dei conta de que muita coisa que ainda mantinha em mente eram verdades do passado, coisas que aconteceram e me deixaram tão feliz que não
deram lugar pra novas alegrias. O passado anda muito próximo, e o passado
recente parece que foi ontem, ou hoje de manhã.
Fui pra casa e fiquei pensando:
“Será? Será que é isso, então? Uma crise prematura de meia idade? Crise de um
quarto de idade?” E continuei especulando: “Será que estou vivendo de passado?
Não só de lembranças, de paixões, de tristezas... mas, será que minha imagem é
uma imagem do passado? Quem será que sou eu hoje, no presente”?
Foi uma coisa tão simples:
encontrar o filho de alguém e ver que a pessoa cresceu desde a última vez que o
viu, dez anos atrás, no mínimo. Ok. Normal. Mas, não pra alguém que se pega no
meio de uma síndrome de Peter Pan. Parece exagero, eu sei. Mas, sabe aquele
momento que a gente se pergunta: “mas o que foi que eu fiz da minha vida até
agora”? Aquele momento que a gente vê que seus amigos não são os mesmos, que
muitos se casaram; outros passaram dessa pra pior (no caso dos meus). Aquele
momento que você olha pra uma garota de dezessete anos e já não sente tesão,
por que você já não tem mais dezessete anos a muito tempo (claro que essa é uma
narrativa masculina. Mas, sei que acontece com as mulheres também).
Pode ser também que eu não esteja envelhecendo tanto o quanto pensava. Não pareço tão velho assim... Ou pareço? Trinta e cinco? Quarenta?... O espelho não mente. Maldito espelho.
Mas, o X da questão mesmo é o
lance do: “o que eu fiz esse tempo todo”? Será que as coisas estão valendo a
pena? Ou será que o tempo só está passando, pronto e acabou? Afinal, passa pra
todo mundo. Mas, será que o tempo é igual pra todos?
Talvez pela falta de sono, pelas
noites mal dormidas, por dias acordado... Pela cafeína em excesso, as transas
fora de hora; pelos devaneios, sem ver o tempo passar parecendo que vou pra
cama e acordo no mesmo dia, naquela rotina filha da puta de falta de rotina,
mais o ritual maçante de dormir e acordar, dormir e acordar, dia após dia... Enfim.
Só me lembro de que fui pra cama com essa ideia martelando minha cabeça: “Mas o
que foi que eu fiz da minha vida até agora”?
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