Como alguém se deixa cair, como alguém se deixa entrar no vício de
colecionar desculpas a todo instante? O que a sonoridade de um pedido de
desculpas causa na mente de uma pessoa? Este som, de algum modo, ecoa por entre
as paredes do ouvido até chegarem ao cérebro, produzindo algum efeito
psicodélico e entorpecente que faz com que qualquer um se sinta no dever
prazeroso de pedir e querer ouvir mais e mais: “me desculpa”.
No entanto, por mais grandioso que seja imaginar uma só pessoa ouvindo
este pedido de desculpas a todo instante de vários e vários indivíduos, é o
total contrário que aqui fica registrado. Aqui, não são milhares de bocas que
dizem: “me desculpe”; mas sim, uma só boca dizendo a milhares de ouvidos: “... por
favor, me desculpe”.
O colecionador de desculpas não é aquele que as ouvi, mas sim, aquele que
as implora; é aquele que pede desculpas em momentos tecnicamente
contraditórios, nos quais tudo pode ser dito, menos esta palavra que parece
zombar da cara e dos ouvidos de quem a recebe.
-- Me desculpa!? Por favor, me desculpa.
-- Não. Pára de pedir desculpas. Pára. Isso me irrita.
-- Mas como? Eu estou pedindo desculpas; dizendo que errei e que pretendo
não repetir o erro.
-- Eu não acredito mais. Já ouvi você se desculpar centenas de vezes e
nunca parece verdade. Talvez nas primeiras vezes, nos primeiros dias. Mas
agora, agora estas suas desculpas parecem não fazer mais algum sentido.
-- Mas faz todo o sentido. Claro que faz! E sabe por quê? Por que eu te
amo, e quero passar o resto da vida ao teu lado.
E essa foi a primeira vez que o colecionador de desculpas sentiu como era
forte o poder em suas palavras, por vezes seguidas de um sorriso discreto e ao
mesmo tempo atraente.
A eternidade durou apenas mais alguns dias. E a primeira garota foi logo
substituída por dezenas de outras, que passavam menos tempo que ela pela vida
do colecionador de desculpas.
-- Mas eu te amo. Por favor, me desculpe.
-- Eu não acredito. Você está pedindo desculpas de novo?! Chega! Eu não
agüento mais esta situação.
-- Mas, por favor, entenda. Eu não fiz por mal. Não quis te fazer mal
algum. Só falei o que acredito ser certo. Não posso ser sincero?
-- Você não está sendo sincero. Está sendo sarcástico, ou hipócrita até.
Pare de pedir desculpas. Só está fazendo isso pra eu pensar que estou errada.
-- Tudo bem. Então, me desculpe por isso também.
O colecionador de desculpas não fazia tal pedido por mal. No entanto,
possuía conhecimento sobre sua condição. Em sua mente, pela experiência que
havia adquirido com o tempo, em seus relacionamentos, percebeu que ele parecia
sempre estar errado. “Por que isso?”, se perguntava ele; “por que diabos eu
estou sempre errado?”; e começou, então, há agir como tal. Seus pedidos de
desculpas se tornaram um modo de se entregar a culpa injusta. Pedindo desculpas
logo de início, confessando um crime não cometido, ele estava fazendo com que
este ato se tornasse uma manifestação de revolta. Assumir a culpa se tornara um
modo de negar a impunidade. Afinal,... “maldição. Só eu estou errado? O que eu
fiz?”
Mais uma. E outra. E outra. E mais tantas e tantas pessoas passaram por
sua vida. Não apenas mulheres em um relacionamento. Não apenas os amigos e a
família. O colecionador de desculpas atirava seu pedido para todos os lados,
pondo-se sempre em uma condição miserável de injustiça. Vítima. Vitimado. O
colecionador de desculpas vitimava a si mesmo, cada dia e noite que se passava,
se obrigando a assimilar mais e mais sua culpa por sabe-se lá o quê.
-- Sei que me coloco nesta condição por querer. No entanto, quero sem
querer. Quero, pois sou obrigado a querer. Sou vítima do erro por estar errado
a todo instante. Ninguém assume seu erro, e este peso recai sobre meus ombros.
Sendo assim, assumo-o e dou-lhe moradia.
O colecionador de desculpas sou eu, você, seu pai e sua mãe, seus irmãos
e primos, seu vizinho, seu chefe, seu colega de trabalho, etc. O colecionador
quer unanimidade. Quer ser o único a pedir desculpas para toda uma cidade. Quer
o peso em suas costas cada vez mais denso e desequilibrado. O colecionador de
desculpas quer andar na contramão, e assumir suas responsabilidades a cada
palavra dita. Mesmo que estas responsabilidades e seus erros sejam adquiridos.
Depreciação como forma de engrandecimento?
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