04/05/2012

Crônica 44

O problema é que eu durmo cada vez menos.


O problema é que eu durmo cada vez menos, cada dia menos. A noite chega, o dia parece não acabar. Dezoito, dezenove, vinte, vinte e uma horas... E nada de sono. Meu corpo até parece cansado, mas não está. Sei que não está. Meus olhos estão abertos, quase arregalados, e meu corpo ainda com energia. Não importa o que eu faça, eu durmo cada vez menos, cada dia menos.

Às vezes, mesmo sabendo que vai ser difícil, me deito, só de cueca, pois é assim que durmo, e fico na cama, estático, sem pegar no sono. Acho que nestes anos todos acabei desenvolvendo algum tipo de sistema para poder dormir, um ritual noturno, ou sei lá o que: se me deito virado para a direita, posso ficar assim durante um tempo indeterminado, sem conseguir dormir, até que me sinta obrigado a virar para a esquerda; em pouco tempo pego no sono. O mesmo ocorre com o contrário, da esquerda pra direita. Não consigo apenas me deitar e dormir. Até o sono deixou de ser mecânico. Era tão simples. Pouquíssimas vezes me deitei e dormi imediatamente. Se eu me deitar de barriga pra cima, é a mesma tortura ritualística: não durmo até me deitar em outra posição.

Agora estou testando outra técnica pessoal: fico abrindo e fechando os olhos num movimento repetitivo, lento. Começo com os olhos abertos de maneira normal, fecho e os abro menos. Vou diminuindo a abertura dos olhos gradativamente tentando criar aquela sensação real de sono que sentimos quando queremos mesmo dormir. Ainda não sei dizer se funciona, mas é um bom passa-tempo.

Às vezes, quando a noite parece não ter fim, tenho sonhos alucinados. Um sonho mais demente que o outro. Já não sonho mais com o cotidiano, com assuntos banais, com a confusão da realidade no meu subconsciente. Não. Nada disso. Quando os tenho, apesar de meu sono incompreensivelmente leve, são sonhos pesados, viajados demais. Já me pequei várias vezes acordando com meu próprio grito. Infelizmente ninguém nunca está presente para me confirmar se eu estava mesmo gritando, e o que. Esse negócio de sonho bonitinho já não me pega mais. E quando sonho com pessoas conhecidas, pessoas com as quais quero mesmo sonhar, os roteiros se tornam um pesadelo ainda menos compreensível, e mais uma vez acordo gritando, ou banhado em suor e... Enfim.

Quando finalmente durmo, logo o sono é interrompido pela sirene das fábricas que ouço do meu quarto. Não sei se só eu as ouço. Parece que sim. Talvez seja outro tipo de paranóia... É bem provável. Quando não são as sirenes são os gatos da rua tentando invadir minha casa ou correndo pelo telhado, miando cheios de tesão; ou então o cachorro do vizinho, maldito. Um basset vira-latas chorão que assusta com a própria sombra. Parece até que ele está sentado ao meu lado na cama, latindo dentro da minha orelha. Quando não é algo assim, acordo com os gritos histéricos de uma vizinha clinicamente desequilibrada. Não sei o que é pior. Ela grita falando, ou fala gritando... que seja. O fato é que passo o dia a ouvir a lazarenta gritando, gritando o nome das filhas, gritando o nome do marido... Coitado. Não sei quem é mais doido. Também tem o maluco vigilante com aquela maldita buzina. Desgraçado. Ele não tem que avisar que está passando. Desse jeito qualquer bandido sabe à hora certa.

 Boas são as noites de blackout total. Sono apagão. Deitar, dormir, e não se lembrar de nada na manhã seguinte. Isso sim é tranqüilidade. Essa é uma noite bem dormida. Aquele sono do qual se levanta cansado, quebrado, com os olhos tão pregados que quando um fiapo de luz penetra parece até um estilete cortando as pupilas. Isso sim é sono. A gente fica baqueado até umas dez da manhã, de mau humor, com vontade de sair distribuindo porrada em todo filho da puta que cruza o caminho. Bom dia?! Bom dia é caralho! Cala a boca. Me deixa em paz. Me deixa dormir acordado.

A verdade é que são raras as vezes que consigo me deitar e dormir, só dormir. Só isso. Pois, cada dia que se passa eu durmo menos. O problema é que eu durmo cada vez menos.

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