O problema é que eu durmo cada vez
menos.
Boas são as noites de blackout total. Sono apagão. Deitar, dormir, e não
se lembrar de nada na manhã seguinte. Isso sim é tranqüilidade. Essa é uma
noite bem dormida. Aquele sono do qual se levanta cansado, quebrado, com os
olhos tão pregados que quando um fiapo de luz penetra parece até um estilete
cortando as pupilas. Isso sim é sono. A gente fica baqueado até umas dez da
manhã, de mau humor, com vontade de sair distribuindo porrada em todo filho da
puta que cruza o caminho. Bom dia?! Bom dia é caralho! Cala a boca. Me deixa em paz. Me deixa dormir acordado.
O problema é que eu durmo cada vez menos, cada dia menos. A noite chega,
o dia parece não acabar. Dezoito, dezenove, vinte, vinte e uma horas... E nada
de sono. Meu corpo até parece cansado, mas não está. Sei que não está. Meus
olhos estão abertos, quase arregalados, e meu corpo ainda com energia. Não
importa o que eu faça, eu durmo cada vez menos, cada dia menos.
Às vezes, mesmo sabendo que vai ser difícil, me deito, só de cueca, pois
é assim que durmo, e fico na cama, estático, sem pegar no sono. Acho que nestes
anos todos acabei desenvolvendo algum tipo de sistema para poder dormir, um
ritual noturno, ou sei lá o que: se me deito virado para a direita, posso ficar
assim durante um tempo indeterminado, sem conseguir dormir, até que me sinta
obrigado a virar para a esquerda; em pouco tempo pego no sono. O mesmo ocorre
com o contrário, da esquerda pra direita. Não consigo apenas me deitar e
dormir. Até o sono deixou de ser mecânico. Era tão simples. Pouquíssimas vezes
me deitei e dormi imediatamente. Se eu me deitar de barriga pra cima, é a mesma
tortura ritualística: não durmo até me deitar em outra posição.
Agora estou testando outra técnica pessoal: fico abrindo e fechando os
olhos num movimento repetitivo, lento. Começo com os olhos abertos de maneira
normal, fecho e os abro menos. Vou diminuindo a abertura dos olhos
gradativamente tentando criar aquela sensação real de sono que sentimos quando
queremos mesmo dormir. Ainda não sei dizer se funciona, mas é um bom
passa-tempo.
Às vezes, quando a noite parece não ter fim, tenho sonhos alucinados. Um
sonho mais demente que o outro. Já não sonho mais com o cotidiano, com assuntos
banais, com a confusão da realidade no meu subconsciente. Não. Nada disso. Quando
os tenho, apesar de meu sono incompreensivelmente leve, são sonhos pesados,
viajados demais. Já me pequei várias vezes acordando com meu próprio grito.
Infelizmente ninguém nunca está presente para me confirmar se eu estava mesmo
gritando, e o que. Esse negócio de sonho bonitinho já não me pega mais. E
quando sonho com pessoas conhecidas, pessoas com as quais quero mesmo sonhar,
os roteiros se tornam um pesadelo ainda menos compreensível, e mais uma vez
acordo gritando, ou banhado em suor e... Enfim.
Quando finalmente durmo, logo o sono é interrompido pela sirene das
fábricas que ouço do meu quarto. Não sei se só eu as ouço. Parece que sim.
Talvez seja outro tipo de paranóia... É bem provável. Quando não são as sirenes
são os gatos da rua tentando invadir minha casa ou correndo pelo telhado,
miando cheios de tesão; ou então o cachorro do vizinho, maldito. Um basset
vira-latas chorão que assusta com a própria sombra. Parece até que ele está
sentado ao meu lado na cama, latindo dentro da minha orelha. Quando não é algo
assim, acordo com os gritos histéricos de uma vizinha clinicamente
desequilibrada. Não sei o que é pior. Ela grita falando, ou fala gritando...
que seja. O fato é que passo o dia a ouvir a lazarenta gritando, gritando o
nome das filhas, gritando o nome do marido... Coitado. Não sei quem é mais
doido. Também tem o maluco vigilante com aquela maldita buzina. Desgraçado. Ele
não tem que avisar que está passando. Desse jeito qualquer bandido sabe à hora
certa.
A verdade é que são raras as vezes que consigo me deitar e dormir, só
dormir. Só isso. Pois, cada dia que se passa eu durmo menos. O problema é que
eu durmo cada vez menos.
***
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