Crônica Dois
Não seria demasiado difícil comparar uma mulher a um deus ou ao diabo. Sinceramente, são palavras muito atraentes, e as três nos dão nítida sensação de poder, prazer, desejo e medo.
Eis o que uma destas três personagens fizera noite destas:
Um passeio calmo e cauteloso. Passo a passo esta personagem sorria alegremente, pois havia corpos e mais corpos caídos ao seu redor. Havia também uma chuva desesperada que jorrava do céu sobre a terra. Esta chuva era tão pesada, tão grosseira e desrespeitosa, que apesar de ser água parecia lâminas arredondadas. A cada gota sobre qualquer um, pedados de carne eram mutilados e derrubados aos montes pelo chão. Um rio de sangue fazia-se entre o meio-fio e o meio das ruas.
A personagem ainda continuava sorrindo, mas com lágrimas nos olhos. A chuva parecia não a “refrescar”, e os corpos não pareciam familiares. Era possível ver nitidamente uma daquelas gotas caindo do céu, exatamente sobre a cabeça de alguém, e a mesma gota, como se fosse imortal, atravessava todo o corpo e em linha reta caia ao chão, avermelhada, juntando-se a trilhões de outras como ela por milésimo de segundo.
Ela sorria. Sim!, esta personagem sorria, felicíssima, pois não era ela que ganhara aqueles presentes. Ela não! Ela ainda vivia, e caminhava naturalmente. Ela estava feliz por não ser mais uma meio àquela vitrine de açougue que se tornaram as ruas.
Sim! É a mulher. Não é o Diabo, tampouco o deus benfazejo dos cristãos. Era o deus dos Homens, um deus vaginal.
Ela, a Mulher, está acima de qualquer tipo de divindade pós-moderna. Está acima do itinerário, dos horários a serem cumpridos, das responsabilidades, dos governos.
Esta consegue qualquer coisa, pois está também acima da moral, da religião, da ética e da ciência. E não é preciso dizer que não é necessária nenhuma palavra, nenhum comprometimento, nenhum tipo de contrato ou sigilo. Pois o que está entre as pernas é ainda mais forte que qualquer guerra, qualquer prece, culto e formalidades.
E sua motivação, mesmo sabendo que sua finalidade é sempre a mesma, que não serve para outra coisa a não ser saciar os momentos de humanidade dos Homens, mesmo assim ela prossegue, continua, finge, mente, geme, grita.
E este é um dom que nem deus nem o diabo compartilham entre si. Sobrando a eles apenas a inveja.
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