24/04/2011

Crônica - A Mestra Cigana

Crônica 19

Ela surgiu de repente, trazendo muitos problemas consigo. Coisas corriqueiras a todos, à bem da verdade. Tinhas os olhos escuros, de um castanho denso e palpável. Seus lábios eram medianamente finos, assim como seu nariz. Seus longos cabelos tornavam qualquer pessoa um novo espião, pois tinham volume, eram fios negro-avermelhados mais vivos do que um recém-nascido. Relativamente alta, magra, com a pele um tanto escurecida, cor de chocolate quente, opaco, sem açúcar, apesar de sua doçura exuberante. E seu sorriso... Seu sorriso? Gracioso! Sincero...

-- Você sabe muito bem meu nome. – disse ela a um rapaz da cidade.

-- Sei? – indagou ele. Mas como?

-- Você tem meu nome em sua memória, caro abandonador. – respondeu ela. Pois não é a primeira vez que nos encontramos. Isto você sabe muito bem.

-- Tem razão. – respondeu ele. Mas não sou abandonador. Não! Não isto.

Os dois se conheciam. E se conheciam muito bem, isto sim. Há alguns anos haviam se encontrado, se apaixonado, um romance digno de réplicas, pois tal era sua paixão e inspiração.

-- De onde vem desta vez, cigana?

-- Não venho de lugar nenhum, desta vez. – respondeu ela. Mas vim de um lugar muito mais próximo do que antes. Disto você pode ter certeza, meu velho enamorado.

-- E quanto tempo ficará desta vez? Por quanto tempo?

-- O tempo que você agüentar. – disse ela, como quem o conhece-se intima e mentalmente.

Sim, a cigana o conhecia. E conhecia muito bem.

No entanto, ao dizer “o tempo que você agüentar”, não se referiu ao tempo físico, carnal. Mas sim, um tempo mental, tempo de memória.

-- Posso agüentar muito mais tempo do que imagina, minha ausência presente. – continuava ele.

-- Pois bem. Não posso negar que isso aconteça. Pois sei que se acostumou a viver desta maneira. – respondeu ela, a cigana de sorriso esplendoroso.

-- Você não vem como da última vez, então?

-- Já disse que não, meu anti-amigo. Desta vez venho apenas como um pesar em seus ombros.

É mesmo verdade. Ele podia agüentar muito mais tempo desta vez. Pois assim como um hipocondríaco, doses altas, aumentadas a cada instante, só o faziam querer, precisar e conviver com muito mais.

-- É muito bom para mim que você tenha voltado, mais uma vez, e mais outra e outra; como sempre acontece. É muito bom, tal como é ruim.

-- E porque é bom e ruim? – questionou a cigana.

-- Ora, porque me lembro de tudo o que houve e de tudo o que poderia ter havido ainda mais, futuramente.

-- Sinto muito. – disse a cigana, segurando em suas mãos mais uma vez.

-- Não! Não faça isso. Não sinta dó ou piedade, ou qualquer tipo de sentimento contrariado. A culpa não é sua! Disso você sabe muito bem. – retrucava ele. Julguei correto um ato incorreto para o momento, querendo beneficiá-la futuramente. Não sei se isto aconteceu, mas espero que seus olhos se encham ainda mais de sorrisos.

Ele nunca imaginou uma derrota tão grande como aquela. Derrotou a si mesmo, isto sim! E sofreu todas as conseqüências das quais um homem jamais se livrará. Com certeza os olhos e boca e toque desta cigana o perseguirão para sempre. E disto ele tem certeza.

-- Quer que eu vá embora? – indagou a cigana. Pois parece ainda mais sofrido vê-lo de perto.

-- Nunca! – replicou ele com voz desorientada, mas sincera. Fique o tempo que for preciso... O quanto você quiser. Isto rasga ainda mais meu coração e minha alma, mas é o que preciso, e também o que mereço.

-- Sei que está infeliz. E se tornará ainda mais com o passar dos anos. Por mais que tenha feito sua vontade, mesmo que pensando em meu bem – mesmo que eu não haveria de compreender naquele momento.

Os olhos do rapaz se enchiam de lágrimas ao passo da conversa, pois sabia que não existia volta para aqueles tempos de felicidade.

O que doía ainda mais em seu coração, e o perturbava dia e noite, é que aquelas lembranças da cigana, que não estava contigo, aquelas lembranças o torturavam ainda mais. Uma tortura eterna, que sangrava sua língua e fazia-o afogar e soluçar o tempo todo, sempre que elas voltavam-lhe a mente.

-- Volte sempre que sentir minha falta, querida memória. – dizia ele, sozinho em sua cama. Volte para me ferir, pois é disto o que preciso. Sinto-lhe presente nestes momentos, e isto me faz feliz... Mesmo que seja apenas em lembranças. Mesmo assim, tens meu eterno e sincero obrigado.

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